Memórias Nossas de Cada Dia
Nossa identidade é tecida pelas
lembranças que carregamos. São elas que nos conectam ao passado, influenciam
nossas decisões promovendo a modelagem de nosso ser. A psicologia explica que a
memória não é apenas um registro passivo de eventos, mas uma construção
dinâmica, influenciada por emoções, hábitos e processos químicos do nosso
cérebro. Memórias podem ser ativadas por estímulos externos e, muitas vezes,
reinterpretadas com o tempo. Nesta reflexão, exploramos três tipos essenciais
de memória: afetiva, muscular e química.
Memória Afetiva – O Coração das Lembranças
A memória afetiva nos remete a
momentos que deixaram marcas emocionais profundas. A psicologia cognitiva vaticina
que emoções intensas proporcionam a fixação das lembranças, tornando o seu fluxo
mais continuo, permanentes e estáveis. Isso ocorre porque áreas como a amígdala
e o hipocampo trabalham juntas para consolidar recordações emocionais.
O impacto da memória afetiva pode ser
observado em diversos momentos da vida. Por exemplo, um cheiro de um bolo que
sua avó preparava para a família pode trazer à tona lembranças da infância, trazendo
a tona sentimentos associados àquele período. Uma música pode transportar
alguém para um momento específico do passado, evocando sensações que pareciam
adormecidas.
Além disso, estudos da psicologia
afirmam que memórias afetivas podem influenciar nossa tomada de decisões.
Quando enfrentamos situações similares às vividas anteriormente, nosso cérebro
recorre a essas experiências emocionais para guiar escolhas e comportamentos.
Assim, emoções e lembranças caminham juntas na construção da nossa percepção do
mundo.
“A memória é o diário que todos levamos conosco.” Oscar Wilde
Memória Seletiva – O Filtro da Identidade
A memória seletiva pode ser vista como um
mecanismo que ajuda a moldar nossa identidade ao longo do tempo. Nossa mente
tende a preservar memórias que reforçam nossa percepção sobre nós mesmos,
enquanto outras podem ser esquecidas ou distorcidas.
Por exemplo, alguém que acredita ser corajoso
pode se lembrar com mais intensidade dos momentos em que enfrentou desafios,
mas pode não dar tanta atenção a situações em que sentiu medo ou hesitação.
Esse processo pode influenciar diretamente nossa autoconfiança, nossas decisões
futuras e até mesmo nosso modo de interagir com o mundo.
Estudos recentes revelam que a memória seletiva influência
de maneira impactante os indivíduos em suas relações interpessoais. Quando nos
lembramos apenas dos aspectos positivos ou negativos de uma pessoa ou situação,
isso pode afetar a forma como nos relacionamos com ela no presente. É por isso
que, muitas vezes, memórias influenciam julgamentos e sentimentos de maneira
inconsciente.
O filme Divertidamente 2 (INSIDE OUT 2,
2024) explora de forma criativa a relação entre memórias e identidade. Ele
introduz o conceito do Sistema de Crenças, mostrando como
lembranças específicas podem influenciar diretamente a visão que Riley tem de
si mesma e do mundo ao seu redor. O filme também destaca o impacto das
experiências traumáticas, sugerindo que algumas memórias podem ser fragmentadas
ou reprimidas, dificultando o processamento emocional completo. Além disso, Divertidamente
2 aborda a ansiedade como um fator que pode desestabilizar a mente.
Diferente de emoções básicas como alegria e tristeza, a ansiedade não é um
sentimento, mas sim um transtorno psicológico que pode comprometer o bem-estar.
Esse aspecto do filme reforça a importância do autoconhecimento e da gestão
emocional na construção da identidade e na forma como lidamos com os desafios
da vida. Especialistas também alertam para o alto nível de estresse retratado
na narrativa, o que pode ser intenso para crianças mais novas.
Memória Muscular – A Sabedoria do Corpo
A memória muscular é um tipo de
aprendizado motor que permite realizar tarefas sem esforço consciente,
resultado da prática e repetição. Psicologicamente, esse tipo de memória está
ligado ao aprendizado implícito, que ocorre sem a necessidade de atenção ativa.
O córtex motor e o cerebelo desempenham papéis cruciais nesse armazenamento,
permitindo que gestos como tocar um instrumento ou digitar sejam executados com
fluidez e precisão.
Um exemplo clássico de memória
muscular é aprender a andar de bicicleta. No início, exige concentração e
esforço, mas com o tempo, o movimento se torna automático. Outro exemplo é a
digitação: os dedos se movem de maneira fluida sobre o teclado sem que seja
necessário pensar na localização das letras. (Você se recorda da época das
maquinas datilográfica?).
Estudos neurológico revelam que a
memória muscular mantem se firme e resistente, mesmo após anos sem praticar
determinada habilidade, ao retomá-la, o cérebro ativa rapidamente as conexões
formadas anteriormente, facilitando a execução das atividade outrora suspensas.
Isso explica por que músicos podem retomar uma peça musical após anos sem
tocá-la ou por que um ex-atleta pode recuperar parte de sua habilidade com
treino adequado.
Memória Química – O Labirinto Neurobiológico
Nosso cérebro é uma usina química em
constante atividade, onde neurotransmissores como dopamina, serotonina e
cortisol modulam nossas experiências e lembranças. A neurociência mostra que a
dopamina melhora a retenção de informações ao reforçar circuitos de recompensa,
enquanto altos níveis de cortisol, relacionados ao estresse, podem prejudicar a
memória.
Pesquisas indicam que estados
emocionais alteram a química cerebral e influenciam a qualidade da memória. Durante
períodos de estresse intenso, o cérebro libera uma grande quantidade de
cortisol, o que pode comprometer a capacidade de consolidar novas informações.
Esse excesso pode dificultar a atenção e a retenção do aprendizado, tornando
mais desafiador o armazenamento de memórias de longo prazo.
No entanto, o estado emocional positivo, momentos de felicidade e esperança,
favorecem a produção da dopamina. Esse neurotransmissor atua fortalecendo
circuitos neurais relacionados à memória e ao aprendizado, tornando a
assimilação de informações mais eficiente e contribuindo para uma recordação
mais clara.
Quer saber mais sobre como a memória seletiva pode
ser usada de forma consciente para fortalecer aspectos positivos da sua
identidade?
Bibliográficas
BADDELEY, Alan. Memória humana:
teoria e prática. Londres: Psychology Press, 1997.
GAZZANIGA, Michael S.; IVRY, Richard
B.; MANGUN, George R. Neurociência cognitiva: a biologia da mente.
Nova York: W.W. Norton & Company, 2018.
PIXAR ANIMATION STUDIOS. Divertidamente
2. Direção de Kelsey Mann. Produção de Mark Nielsen. Estados Unidos: Walt
Disney Pictures, 2024.
SHIFFRIN, Richard M.; SCHNEIDER,
Walter. Processamento humano de informação controlado e automático. Psychological
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da mente às moléculas. Nova York: Roberts & Company Publishers, 1999.
TULVING, Endel. Elementos da
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